domingo, 13 de dezembro de 2015

Reprovação: o fantasma do final de ano

Reprovação: o fantasma do final de ano
(Por: Mônica Raouf El Bayeh)

- Seu filho foi reprovado.
A facada é dada por telefone. A gente não vê. Mas sente o sangue brotando da alma partida do outro lado da linha.
O fantasma da reprovação ronda por perto.Pais cabisbaixos. Crises de choro. O cenário do dia de entrega de resultados tem uma vibe esquisita. Bem pesada.
- Não pode dar um jeitinho?
Fácil dar um jeitinho? Para quem?
- Mas, mãe, olhe aqui as médias do seu filho. Ele ficou em seis matérias.
Com a mesma sem cerimônia de quem pede desconto na feira, a mãe reponde:
- Então... se essa matéria aqui desse três pontos, ele ia para a recuperação. Não ficava reprovado direto.
Frente ao olhar estarrecido da coordenadora. A mãe responde ofendida:
- Três pontos! O que custa?
Ninguém entra na padaria e pede pão de graça. Gasolina no posto, já tentou ? Três litros? O que custa? Três pontos! Ela quer três pontos de presente. Saídos quentinhos da cartola do professor. Olha que meiga! Atenção: não estamos falando de décimos! São pontos inteiros.
Ela acha que merece esse bônus exatamente por que? Pelas vezes tantas que foi chamada na escola, fez ouvido de mercador e não tomou providências? Pelos deveres todos que o filho não fez? Pelos desaforos que ele disse, impunemente, para os professores? Pelas aulas que assistiu de costas para o quadro?
Pela cara de bunda com que olhou para os professores lhe imploravam para que trabalhasse? Ou porque ele mesmo disse, em alto e bom som, o ano todo que era super inteligente e, no final, estudava e passava? Não rolou, playboy. Calculou mal, amigo. Agora chupa essa manga.
Olho os meninos reprovados andando murchos no pátio. Um ano de vida perdido. De uns penso:
- Que pena.
São os alunos que têm dificuldade. Não se concentram por muito tempo. Não conseguem entender a matéria. Têm que dar muito mais duro que outros para conseguir ficar na média. Dos que se esforçam e, às vezes, mesmo assim, não conseguem. Com esses fico triste junto.
Muitas vezes vale pensar se o aluno está na melhor escola para ele. Cada pessoa tem seu jeito. A escola que serviu à família inteira por décadas, pode não ser a mais adequada para o caçula. Incomoda? Incomoda mais deixar a criança infeliz num lugar que ela, por mil razões, não consegue acompanhar. Pense bem. Evite sofrimentos desnecessários.
Tem ainda os que se reprovam por absoluta falta de vergonha. Se reprovam, sim. Está errado dizer que o aluninho, tadinho, foi reprovado. Por quem? Pelo carrasco do professor. Professor é calculadora. Soma os acertos que você faz. Só isso. A pessoa se reprova. Para esses, os sem dificuldades, a vontade é dizer:
- Bem feito.
Feio pensar bem feito? Feio é aturar o que um professor atura o ano todo. Sem apoio de pai, nem mãe. Querendo dar aula sem conseguir. Estamos numa cultura esquisita onde não se cobra de filho, e parece que não se pode cobrar de aluno. Onde tudo pode virar processo, constrangimento.
Onde o mundo inteiro lhes é dado com facilidade extrema. E eles acabam se convencendo de que é para ser assim sempre. Muitos alunos, agora reprovados, não percebem que podem fazer melhor. Não percebem como podiam ser tão maiores do que são.
Se contentam em ser anões quando podiam ser gigantes. Não dão o que podem, nem o que têm. Funcionam no mínimo. Contam com migalhas e favores dos professores. Contam com prêmios por mérito que nem têm.
Falo dos que se acham poderosos. Dos que andam para tudo sem o menor compromisso. Pois que a reprovação sirva de susto. Que aprendam que vida é retorno. A gente recebe pelo que deposita. Quem não deposita, não pode esperar receber.
- Não tive tempo.
Frase comum nas bocas de adolescentes. Não teve tempo, vamos deixar claro, para estudar. Porque para as festas, chamadas de sociais e resenhas, teve. Para andar sem rumo pelo shopping dias e dias a fio, também. Para assistir todos os quinhentos e vinte e oito capítulos da série preferida, o tempo nunca faltou. Não teve tempo? Oi?
Estamos criando uma geração de muita razão e poucos deveres. Pouca cobrança e muitos direitos. Quem olha? Quem cobra e exige? Quem toma conta? Parece que os pais têm medo de desagradar os filhos. Mas não era para ser o contrário?
Crianças pedem limites e um olhar mais atento. Muitas são as formas de pedir socorro. Ir mal na escola é uma delas. Se a gente não socorre, ali fica uma brecha perigosa. Por ela que o ano escorre sem providências.
Crianças não falham sozinhas. Quando um filho é reprovado, a família é reprovada junto. Falharam todos. Onde? Como? Em que momento? O que não foi feito? Olhado? Falado? Conversado? Vale parar para pensar. Melhor botar a mão na consciência do que sair de pires na mão mendigando ponto.
Mas não é o fim do mundo. Momentos de fracasso são como poda de árvore. A gente cresce mais forte. São os melhores para as boas guinadas da vida.


Fonte: http://extra.globo.com/mulher/um-dedo-de-prosa/reprovacao-fantasma-do-final-de-ano-18284130.html

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